Você já leu esse livro? É – esse mesmo – escrito por Fiódor Karamázov. Quem mais poderia ser?
Fiódor, àquela altura, deve ter se revirado no túmulo me xingando.
Pois é, só um louco para dizer tamanha tolice. Eu sou o louco.
Participando nessa segunda-feira de um processo de seleção, fui questionado sobre o tipo de literatura que leio. Comentei sobre aquela história de que a arte é definida como tal pelo observador e que leio romances; livros chamados de auto-ajuda; obras com muitos diálogos; leio ou tento ler o que cair nas mãos. E com intuito de comentar que mesmo sendo um grande romance, levei anos para conseguir ler e terminar “Os Irmãos Dostoiévski”… E arrematei: Vocês leram?
Imediatamente, mas discretamente, a entrevistadora me corrigiu. Os Irmãos Karamázov? Sim, eu li.
O barulho da minha cara indo ao chão pareceu ensurdecedor. Tentei remendar: “Isso, de Fiódor Dostoiévski”. Mas o estrago já estava feito.
A essa altura eu já não sabia mais o que dizia, pois internamente eu gritava comigo me chamando de louco. A entrevista continuou mas não me lembro de nada. O surto deve ter curtocircuitado a minha mente com intuito de protegê-la contra prováveis asneiras que eu ainda poderia dizer.
Agora já consigo rir da situação ao imaginar a “cara de tacho” que devo ter feito quando percebi o meu engano. Não sei como as entrevistadoras não rolaram de rir. Se estivesse no lugar delas, não tenho ideia de qual seria meu comportamento.
Foi um vexame meus caros.
Se ainda fosse um romancete desconhecido, poderia passar por um engano aceitável. Mas não, eu tinha que citar logo um dos maiores romances da literatura mundial.
Também não adianta chorar sobre a vodka derramada. Passou, ficou pra trás. Foi uma paulada. Passou. Passou.
Agora é prestar atenção e, se for preciso, citar Tio Patinhas, “Quem comeu minha goiabada?”, Hulk ou qualquer outro onde um erro não faça um estrago tão grande.
Na próxima entrevista que fizer, pense no Silvio que você sairá ganhando.
Caro Sílvio,
Excelente a sua crônica!
Me fez lembrar de uma situação mais ou menos na mesma linha, que eu presenciei, e que pode servir de consolo a você pelos Irmãos Dostoiévski.
No final do ano 2000, eu fui a uma palestra na Columbia University em Nova York, onde um professor de literatura brasileira falaria sobre a recente leva de obras com origem na periferia, entre elas o romance Capão Pecado, do Ferréz, que tinha acabado de ser publicado. Por algum motivo ele não tinha um exemplar do livro em mãos. O sujeito falou, falou, e o tempo todo se referiu ao livro como sendo Capão Redondo—que é o nome do bairro em SP onde se passa o enredo do romance. Ao final, eu sugeri que ele retificasse o nome do livro, lembrando muito diplomaticamente que entre os ouvintes podia haver interessados em adquirir o livro. O professor ficou um tanto ofendido pela minha sugestão. Não por eu insinuar que ele pudesse ter cometido um lapso, segundo ele, que explicou: “Você está enganado. Capão Pecado? O Ferréz jamais daria um título careta assim para o seu romance…” Esse professor quando teve acesso a um exemplar do livro deve ter tido um ataque de azia que dura até hoje. Fazer o quê? Foi uma cena um tanto surrealista, mais ou menos como se você, Sílvio, tivesse insistido com a entrevistadora que o nome do livro é Irmãos Dostoiévski e seu autor, o Karamazov.
Um grande abraço,
CB
Oi Silvio,
Gostei muito da sua crônica, eu também escrevo. Mas por enquanto só tenho contos, poesias e estou escrevendo um romance. Mas você não foi o único a passar pelo sufoco da entrevista, eu achei que não falei nada do que eles queriam saber, mas também eu realmente não estava bem, perdí minha cunhada naquele mesmo dia, ela faleceu as 7 horas da manhã e eu tive que ir não podia mudar a data, foi muito difícil não pensar nela, ainda estamos todos abalados, pois ela não tinha nada aparentemente, e morreu de edema pulmonar. Ela cuidava dos meus 2 filhos quando eu estava trabalhando…. só o tempo vai amenizar essa dor. Quem sabe a gente recebe uma boa notícia do SESC e alegra um pouco meu coração.
Boa sorte pra nós todos.
Silvia