por Pedro Miguel Miralante
Era uma vez um peão que se sentia, pelas pressões à sua volta, muito pequeno, insignificante. Internamente, porém, achava-se grande. Seu sonho era ser Rei e por causa disso, tinha o apelido de Reizinho.
Esse peão, do exército de Pedra Vermelha, sempre foi avesso aos treinamentos, apesar das constantes insistências de Fatim, o Mestre Enxadrista de Chess.
Para azar do guerreiro, ele era o Peão do Rei que, geralmente, é o primeiro a dar a cara pra bater. Além disso, por ficar na área central da arena (tabuleiro) de guerra com a nobre tarefa de auxiliar no bloqueio do adversário e no apoio aos guerreiros amigos, tem sempre uma grande chance de ser "tomado" pelo inimigo. O que ele queria mesmo era ser Peão da Torre ou Peão do Cavalo.
Por mais que Fatim procurasse explicar a importância e a missão nobre do peão, além de afirmar que um peão jamais poderia ser um rei, Reizinho estava irredutível e batia o pé, afirmando que ainda seria rei.
"Vê lá se eu vou querer ser sempre peão. Cansei de ser uma peça qualquer. Quero ser o rei, quero ser o chefe." – afirmava Reizinho para quem quisesse ouvir.
Reizinho tentava, de todas as formas, ser o Peão do Cavalo ou da Torre, pois reza que esses peões são mais difíceis de serem capturados. Cansou de pedir ao seu Rei que permitisse a troca e nunca conseguiu lograr sucesso.
Ao contrário, o Rei via no seu peão, o Reizinho, um potencial combatente, já tendo tido boas participações em vitórias. Contudo, a soberba de Reizinho não permitia que ele próprio se enxergasse dessa forma.
Em uma batalha-treino, os companheiros de Reizinho, o Peão da Rainha e o Peão do Bispo do Rei, resolveram, com o consentimento do Rei, auxiliá-lo a chegar à última linha e poder trocar de "cargo". Claro, o peão teimoso nada sabia.
Assim aconteceu. Reizinho chegou na última linha do campo de batalha e começou a gritar: “Sou rei, sou rei! Eu consegui! Sou o Rei! Agora ninguém me segura. Sou o Rei de Pedra Vermelha!”
— Reizinho, você não pode ser o Rei! Pode até ser a Rainha, mas o Rei, não!
— Ah não! Eu batalhei muito pra chegar aqui! Eu quero a coroa do Rei! – Vê se vou usar a coroa da Rainha?!
— Como Rainha você terá muito mais chance de auxiliar seus companheiros. Faz parte da missão do peão.
— Que missão? Minha missão é ser rei e rei eu serei – Cheguei aqui sozinho, sem qualquer ajuda e quero a coroa do Rei.
Fatim teve uma ideia e reuniu os dois exércitos.
— Pessoal, o negócio é o seguinte: Não adianta ficarmos batendo boca com o Reizinho. O dispensamos de vez ou o colocamos à prova, entregando a coroa do Rei e dando corda pra ele. O que vocês acham?
— E se ele se der bem? – perguntou o Bispo.
— Não acho que vá acontecer, mas se ocorrer o promoveremos a conselheiro do exército, pois as nossas leis não permitem que qualquer peão, por melhor que seja, torne-se rei.
— Sendo assim, valerá a tentativa. – disse a Rainha.
Todos voltaram ao campo de batalha, tomando os seus lugares.
— Reizinho – disse Fatim –, vamos permitir que você use a coroa do Rei e assuma suas funções.
— Ainda bem! Eu estava cansado de esperar.
Todo garboso, Reizinho pôs a coroa e o manto do Rei, sobrando pano para todo lado.
Após vestir-se, Reizinho, o Rei, tomou seu lugar na arena de guerra. E levou um baita susto quando olhou para o seu exército e o exército adversário!
— Pessoal, cadê todo mundo? Não vejo ninguém.
Pela primeira vez Reizinho entendeu que a altura do Rei não era sem motivo. Ele precisa ser alto pra enxergar e comandar o seu exército.
— Ajudem-me! Levantem-me!
Ao sinal de Fatim, os companheiros passavam informações, ao Reizinho, da localização de cada componente, de cada exército.
— Pessoal, vamos com calma. Assim eu não consigo guardar nada. Vocês acham que eu tenho um gravador, que sou um computador?
Cadê a minha Torre, o meu Bispo? Cadê o cavalo da Rainha? Onde está a Rainha? Cadê todo mundo? Ajudem-me, por favor!
— Estou aqui! – respondeu cada um que o Reizinho chamou.
— O que eu faço agora? Tem uma Torre e um Bispo do exército adversário me ameaçando.
— De longe, Fatim respondeu: Comande o seu exército meu “Rei”!
— Não consigo Fatim, não consigo! Estou perdido! Vou ser derrotado.
De algum ponto do campo de batalha veio a ordem: Xeque Mate!
Nos dias seguintes, Reizinho andava pensativo.
É certo que o Rei o perdoou e ele foi reintegrado ao exército, mas sua vontade de ser rei estava, agora, ainda mais forte.
Com afinco passou a participar dos treinamentos com Fatim; nos horários livres vivia enfurnado na biblioteca de Chess, estudando táticas e estratégias de guerra; estudou uma enorme variedade de aberturas, ataques e defesas executadas por Reis e enxadristas do mundo todo – Chess e Terra.
Reizinho estudou cada integrante do exército, suas funções e responsabilidades. Se tivesse outra oportunidade, ele não a deixaria escapar.
A oportunidade surgiu em uma batalha real. Entretanto, Reizinho não era o mesmo peão de outrora. Agora ele tinha o conhecimento; conhecia as responsabilidades do Rei; sabia que cada componente do exército tinha sua função.
Estropiado, derrotando cada adversário que surgia e sendo auxiliado pelos companheiros, Reizinho chegou à fronteira do campo de guerra e podia tornar-se o que desejasse.
Todos ficaram apreensivos. “Será que Reizinho vai querer, novamente, ser rei?” – era o pensamento de todos.
Da posição que estava, podia perceber que o Rei encontrava-se a ponto de ser “tombado” e a Rainha, localizada em uma posição desfavorável. Percebeu, então, que para a vitória do seu exército era necessário despojar-se de qualquer orgulho e vaidade e assumir a segunda Rainha. Dessa forma poderiam sair vencedores.
Graças ao gesto de Reizinho e o trabalho em equipe, o exército de Pedra Vermelha venceu a batalha.
__________________________________________________________
Esse conto — parte do livro “Rei, Peão e CIA” — está sendo publicado com a intenção de que seja avaliado. Quem o desejar, pode enviar e-mail para silvio_correa@terra.com.br.
Os contos do livro, partem de uma narrativa central, vivenciada no planeta Chess e no planeta Terra. A narrativa central e os contos tem ligação com o jogo de Xadrez, que serve como pano de fundo.
O livro é dirigido ao público infantil e jovem. Pedro Miguel Miralante é pseudônimo de Silvio T Corrêa, para os livros voltados a esse público específico.