Acho que o contador de histórias que almeje o profissionalismo, não poderá deixar de conhecer alguma coisa das diversas vertentes dessa profissão tão gratificante. Uma delas é o teatro de sombras.
Acabei conhecendo melhor a atividade, no teatro de sombras, com a arte-educadora Analucia Daniel, em uma oficina de 4 meses, em Santo André.
Não existia uma história a ser contada, mas existia a vontade de fazê-lo. Elegemos, então, um tema atual: o bullying. Mas como contar essa história através do teatro de sombras, foi um belo desafio.
Primeiro, precisávamos ter uma ideia real do que é um teatro de sombras, e criamos o nosso teatro.
Começamos, então, a escrever a história, que não poderia ser longa — para não cansar o público —, mas deveria ser impactante, pelo tema abordado.
Escolhemos personagens que, normalmente, fazem parte da “suavidade” no imaginário popular. A borboleta ou borboletas.
A história ficou, mais ou menos, assim:
Nascimento e declínio da borboleta colorida
Rompendo o casulo, a borboleta inicia seu primeiro voo para uma vida alegre e livre.
Não sabe, contudo, o que a espreita no mundo da floresta.
No outro ponto da floresta, em local inóspito, nascem borboletas que, infelizmente, sofreram mutações que as deixaram agressivas, além de negras e cinzas.
Todos os dias, a borboleta colorida alça voo até um campo de flores, onde se delicia com o néctar e cumpre sua tarefa de polinizar. Já se tornara um hábito.
Todavia, em uma manhã, a borboleta colorida depara-se com uma cena inóspita, que a afasta do “seu” campo de flores. Borboletas, de cores negras e cinzas, sobrevoam as flores, tomando conta do local.
No dia seguinte, a borboleta colorida se enche de coragem e vai cumprir seu ritual, a despeito da presença das borboletas negras e cinzas.
Assim que chega, a borboleta colorida é cercada pelas negras e cinzas, que voando à sua volta a atacam, batendo com as sua asas. A borboleta colorida decide fugir e o faz, tristonhamente.
Um novo dia e a borboleta colorida se aventura no campo das flores. Dessa vez o ataque das negras e cinzas é feroz, o que faz a borboleta colorida quase sucumbir. Consegue, ainda assim, tonteando, fugir.
Após uns dias se recuperando, a borboleta colorida volta ao campo de flores e o encontra deserto, a não ser pela presença de uma borboleta nova, que suga, avidamente, o néctar das flores.
Contente, a borboleta colorida se junta à nova e polinizam as flores. Distraídas, não percebem a chegada das borboletas negras e cinzas. A borboleta colorida se afasta. A borboleta nova, sem maldade no coração, continua a sugar e polinizar. Quando se dá conta, as borboletas negras e cinzas já a cercam em uma dança rápida e feroz.
A borboleta colorida observa de longe, sem dar um “passo” para auxiliar a nova, que desesperadamente sai em fuga.
Um novo dia e as duas borboletas estão no campo de flores, quando chegam as negras e cinzas. A colorida se afasta e o ataque à nova recomeça. A borboleta colorida se aproxima como para ajudar, mas, contrariamente, junta-se às negras e cinzas que num ataque medonho, matam a borboleta nova.
Aquele ato deixou a borboleta colorida triste, mas sentindo uma espécie de poder que ela nunca teve.
Mais um dia, e a borboleta colorida voa para o campo de flores. Já não tem mais medo. As suas cores estão esmaecendo. A sensação de poder é grande.
Quando chega ao campo de flores tem uma nova borboleta. A borboleta colorida infla o peito e se aproxima. Porém está só e perde a coragem para atacar. Chegam as negras e cinzas fazendo a dança de ataque. A colorida se junta a elas, sentindo o poder. O ataque é fulminante.
O sol nasceu outra vez. A borboleta, quase sem cor, ruma para o campo de flores, mas não está só. Junto a ela, um bando de borboletas negras e cinzas.
Por ser um texto que se prestaria a um roteiro, não nos importamos com as repetições de palavras, e sim, que ele fosse totalmente compreendido.
A trilha sonora foi desenvolvida a partir de trechos clássicos de Tchaikovsky — Concerto para Violino em D maior —, Grieg — Suíte Peer Gynt, Na Montanha do Rei — e Beethoven — Sinfonia nº 3, Heroica — considerando as cenas criadas. Se tiver curiosidade, poderá escutá-la aqui.
As cenas, abaixo, estão com o devido tempo de duração, condizente com a trilha sonora.
Primeira Cena – 0:00 – 00:54,04
Nascimento da borboleta colorida, seguido pelo nascimento das borboletas cinzas.
Segunda cena – 01:31,7
Borboleta colorida voa até o campo de flores.
Terceira Cena – 02:00
Ataque das borboletas cinzas.
Quarta cena – 02:35,3
Borboleta colorida retorna e passa à noite.
Quinta cena – 03:13,8
Voo da borboleta colorida para o campo das flores.
Sexta cena – 03:29,05
Ataque mais furioso das cinzas.
Sétima cena – 04:04,5
Borboleta colorida em nova fuga. Passagem da noite.
Oitava cena – 04:38,12
Borboleta colorida em voo, encontra-se com uma nova borboleta.
Nona cena – 04:57,7
Ataque das cinzas à nova borboleta e a colorida fica assistindo.
Décima cena – 05:32,5
Fuga e passagem da noite.
Décima primeira cena – 05:49,6
Voo da borboleta colorida. O voo é mais imponente, mais feroz.
Décima segunda cena – 06:00,63
Voo da segunda borboleta.
Décima terceira cena – 06:17,13
Novo ataque, mas dessa vez com a participação da borboleta colorida.
Décima quarta cena – 06:32,42
Morte da borboleta nova.
Décima quinta cena – 07:09,7
Borboleta colorida retorna para casa, muito tranquila. Passagem da noite.
Décima sexta cena – 07:42,7
Borboleta inicia um voo.
Décima sétima cena – 08:09
Borboleta junta-se às cinzas.
Assim, posso dizer que aprendi mais um pouco sobre a atividade de contar histórias e, também, sobre a atividade de escrever.
Sempre vale a pena aprender. Só assim valerá a pena viver.