Akira

Acho que já fazem 2 meses que Akira entrou na minha vida pra me ensinar e, claro, também pra bagunçá-la. Claro, vocês não estão entendendo nada, mas vou explicar, voltando 17 anos.

No final de 1994, fomos a Teresópolis buscar a Laika. Uma Rusk Siberiano linda, preta e branca, com olhos azuis. Sempre quisemos uma cadela Rusk e como estávamos de mudança para o interior de São Paulo, temperatura bem mais amena que a do Rio, decidimos que era a hora de termos a nossa cadela.

Por algum motivo, eu e Laika não tínhamos uma relação muito amistosa e claro que a culpa era minha, apesar de eu gostar dela.

Ela cruzou, mas não ficamos com nenhum filhote. Todos foram dados.

Com 8 anos, mais ou menos, por causa do diabetes, ela já enxergava muito pouco.

Numa noite, meus filhos e minha esposa apareceram com um filhote vira-lata que já tinha sofrido muito, pois o dono dava chutes na barriga da cadela mãe, durante a gravidez. Se não pegassem a Angra — nome que nós demos — ela seria posta, com os irmãos, numa caixa de sapato e jogados no rio no dia seguinte.

Não gostei nem um pouco, ainda mais que a Angra chorava muito e a Laika, que tinha “largado de lado” os filhotes após o desmame, adotou a Angra. Bastava a Laika sair de perto para a Angra começar a chorar e latir. Um latido fino, de agonia.

Quando a Laika desencarnou, ficamos apenas com a Angra, que já vai fazer 7 anos. Minha relação com a Angra era mais amistosa, mas nunca foi um amor.

Há pouco surgiu a chance de recebemos uma fêmea Pastor Alemão. A família, desta vez, me consultou e eu aceitei, sem saber direito porquê. Minha filha foi buscá-la no Rio de Janeiro.

Realmente a cadela era linda. Uma bolinha de pelo preto e patas marrons, com uma das orelhas dobradas à frente, que lhe dava um charme.

A adaptação foi complicada, mas foi quando a mudança, em mim, ocorreu.

Um dia, botei uma roupa bem velha e falei para minha esposa: “Quando eu chamar traz a Akira”.

Deitei-me no chão e chamei a Angra, que veio pra cima de mim. Ela tem uma força descomunal, pois é cruzamento de Pastor Alemão com Pitbull. Rolamos no chão, fiquei todo arranhado e lambido e comecei a sentir pela Angra o que eu nunca tinha sentido. Minha esposa trouxe a Akira, que brincou um pouco, mas achamos que a Angra não estava pronta.

Ainda demorou uma semana — após deixarmos que uma sentisse o cheiro da outra, trocando os panos onde deitavam — para que pudéssemos unir as duas. Correu tudo bem e a Angra adotou a Akira, protegendo-a.

Foi uma grande mudança, para mim, na relação com a Angra e com certeza mudou a relação que eu teria com a Akira. Passei a “conversar” muito com elas, a me preocupar com a alimentação — antes, era obrigação —, com o carinho. Claro que me irritavam, mas era uma irritação diferente. Buscava ensinar, principalmente a Akira, ainda que fosse preciso dar umas palmadas.

Ontem, pela manhã, não ouvindo o latido de nenhuma delas por um bom tempo, fui olhar. O portão estava aberto e as duas saíram. Não sei se alguém abriu o portão propositadamente, ou a Akira, com sua incansável curiosidade, rodou o ferrolho e o levantou, abrindo o portão. Infelizmente minha desconfiança é que alguém fez isso.

Uma hora e pouco depois, eu na rua, e a Angra voltou, toda molhada — uma água que não tinha cheiro. Coloquei a coleira nela e tentamos ir atrás da Akira, mas foi em vão. É como se alguém tivesse pegado a Akira e afugentado a Angra com jato de água, mas pode ser minha imaginação buscando uma razão.

Minha relação com a Angra mudou definitivamente. Infelizmente a Akira está em algum lugar e rezo para que ela volte, pois ela me ensinou muito e eu gostaria de poder retribuir.

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