Em Santo Antônio da Costela Quebrada, uma cidade rodeada pela floresta, nasceu Alípio Timburco, cujo “nascimento” do seu nome é a primeira história que lhes conto, antes que Timburco assuma sua posição, diga-se de passagem, de pleno direito. A de contador de histórias.
Era uma segunda-feira, de céu cinzento, onde o registro de nascimento de Timburco, aconteceu no cartório da cidade. Mesmo para quem estava dentro da repartição, já se ouvia o bate-boca que vinha da rua. Era Seu Alípio e Seu Timburco, sendo o primeiro o avô paterno e o outro, o pai do menino.
Discutindo estavam e discutindo entraram no cartório, pois o pai queria que o nome do moleque fosse Timburco Alípio e o avô, pelo seu lado, queria que fosse Alípio Timburco.
Muita discussão depois, o avô e o pai decidiram definir o assunto no jogo da “porrinha”. Seu Timburco perdeu e, com raiva, saiu esbravejando do cartório.
Seu Alípio, cheio de si e às gargalhadas, adiantou-se e deu o nome ao escrivão:
— “Alípio Timburco”. Põe aí!
Quando o pai viu a certidão, deu de ombros. Afinal, o que estava feito não poderia ser desfeito.
Mas o destino, quando quer, sempre apronta. O menino crescia e, para desgosto do avô, todos o chamavam de Timburco, Tim, Tinzinho, até Timburquinho. O pai vibrava!
Hoje ele é conhecido como Timburco, o Contador, e é a história dele que eu tentarei contar.
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Já no Grupo Escolar de Santo Antônio da Costela Quebrada, a criançada ficava em volta de Timburco, enquanto ele contava histórias de arrepiar.
Com toda aquela floresta, cheia de seres mágicos, rodeando a cidade, Timburco tinha inspiração de sobra para as sua histórias, que ele jurava serem verdadeiras. Quem não gostava muito eram os pais das outras crianças, que ficavam acordados à noite, enquanto tentavam fazer seus filhos dormirem.
Uma das histórias que mais causava medo na criançada, era a da noite em que Timburco e seu pai viram a briga entre Saci e Curupira.
Timburco começava…
“Gente, àquela noite até eu me arrepiei todinho. E não era por causa do frio não, pois eu estava bem agasalhado.
Estava passeando com meu pai, quando ouvimos um assovio danado de alto e estridente. Fazia doer os ouvidos. Logo depois ouvimos um barulho de ‘vento cantando’, como um pé-de-vento. Vuuuuuuuuhhhhhhhhhhhhhh!
Eu cheguei a tremer pessoal. Sorte que meu pai estava ali, pois eu nem imaginava o que ainda viria, pois em certo momento, eu e meu pai nos perdemos; não sabíamos onde estávamos e chegamos, até, a ver a Mula Sem Cabeça, mas foi só ilusão. Coisas que vocês sabem de quem, não sabem?”
O silêncio de metade da criançada — a outra metade já tinha ido embora — mostrava o medo em responder.
“Pois é minha gente. Coisas do Curupira!!!
Em seguida ouvimos o assovio assombrador do Saci e o barulho do pé-de-vento. O Saci parou na nossa frente, pulando para um lado e para o outro, falando em uma língua que não dava para entender.
Não demorou e apareceu o Curupira, com o cabelo tão vermelho que parecia fogo vivo. Com os pés virados pra traz, sassaricava provocando o Saci. Não deu outra e os dois se pegaram num emaranhado de magias que…
Ué! Cadê o pessoal? Já foi todo mundo embora??!! Assim não tem graça.”
E Timburquinho saía rindo de doer à barriga.
Alípio Timburco passou sua infância assim. Nas noites de sexta-feira, ficava rodeado de pessoas de todas as idades. Todos queriam ouvir suas histórias, contadas uma após a outra, sem parar. Já disseram que Timburco nunca repetiu uma história sequer, sempre modificava alguma coisa, e eu acredito.
Com doze anos, Timburco foi estudar na capital. O pai queria que ele fosse advogado e achava que o “menino” precisava se preparar para tal.
A viagem de dez horas para a capital nunca foi tão rápida como aquela. Timburco, mesmo com 12 anos, já tinha quase 1,70m de altura e ninguém o via mais como um garoto. Dono de uma voz já definida e agradável, alcançava sem esforço àqueles que estavam derredor e chamava a atenção quando falava.
Claro, Timburco não iria perder a chance de contar uma história. E começou:
“Certa vez, em uma viagem como essa — acho até que é o mesmo ônibus —, eu estava sentado sozinho na poltrona e assim que saímos da rodoviária peguei no sono. Um sono agitado como ainda não tinha tido. Acordei assustado, suando frio.
Acordei e o ônibus parecia vazio. Apenas o motorista. Mas ele era diferente. Estava careca!
Olhei pela janela e não conseguia ver nada. Uma luz azulada rodeava todo o ônibus e eu sentia uma gostosa sensação de um calor aconchegante.
Cambaleando, fui até o motorista. Sim, ele estava careca e mais: tinha uma barba cumprida e grisalha. Voltei correndo para o meu lugar sem falar nada. Nem olhei para ver os outros passageiros, se é que estavam lá. Fechei os olhos e lembro que eu só queria dormir. Queria que voltasse ao que era, apesar daquela sensação gostosa de aconchego.
Senti uma presença ao meu lado e quando abri os olhos… era o motorista que estava ali.
Perguntei quem estava dirigindo e ele disse para eu não me preocupar com isso, pois ele queria ter uma conversa séria comigo. Aquilo me assustou! Gente, eu não sou fácil de ser assustado, mas ali eu fiquei. Juro que fiquei!
“Quer conversar comigo?”, perguntei com a voz quase faltando. Pode falar.
Então o velhinho abriu a boca:
“Alípio, essa sua capacidade de contar histórias é um dom que você recebeu, para cumprir a sua função na Terra. Um dia, será um grande advogado e toda essa facilidade de contar histórias, será utilizada para defender aqueles que necessitam. Nunca se esqueça disso!”
A voz dele sumindo é a última lembrança que eu tenho. Acordei no mesmo lugar aonde a história começou.
Contando ao meu pai, ele disse que parecia muito com o meu tataravô.”
Quando Timburco acabou de contar, todos estavam com os olhos arregalados, olhando para ele.
Essa sempre foi a vida de Timburco, o Contador.
Já mais velho, na Faculdade de Direito, contava histórias de rir, chorar e, as suas preferidas: as de arrepiar.
Na formatura, lógico, foi dele a incumbência de ser o orador e fez o discurso de improviso. Sim! Uma história foi contada. Uma história de quem tem uma missão, uma história de quem luta pela vida e a vê como uma benção, uma história de quem faz dos fracassos e sucessos, grandes vitórias. Ele contou a sua história.